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Inércia

E, de repente, o corpo parou. A culpa foi da paisagem e do trânsito e do café transbordando e do vazio de ideia e do sentimento implodido e daquilo que grita petrificado em silêncio e das capas de revista e das vitaminas que faltam e da cerveja com açúcar e do glúten e da lactose e dos carboidratos e da Monsanto e da Apple e da Uber e dos táxis e do Instagram e da ortorexia e dos exercícios físicos e da falta deles e dos afetos afoitos aflitos e da alta da gasolina e da falta de emprego e da sobrancelha por fazer e do cabelo crescendo e das unhas sem esmalte e dos pêlos e da celulite e das roupas sempre inadequadas e das escolhas insensatas e do comentário sem-lugar e da audácia e da diferença e da competência e da incompetência e do medo e do pai da criança ausente e do para-casa da criança e do cachorro e da concorrência dos concursos públicos e das roupas e dos sapatos e das bolsas e das viagens não-feitas e da empregada injustiçada e do trabalho que não acontece e do emprego tapa-buraco e dos imigrantes e do racismo escancarado nas entrelinhas do cotidiano e dos paneleiros e do pt e do corporativismo e do homem nu no museu e da criança e da ideologia de gênero e das feministas e do véu das mulheres muçulmanas e dos evangélicos e das abortistas e da poluição do ar e das águas e dos solos e das relações e da mensagem visualizada e não respondida e da palavra que despedaça e do sexo sem olhos nos olhos e de orgasmos fingidos e da pornografia e da macumba e do ascendente e dos acadêmicos falsificados e da falta de rima e da obsessão pelo método e dos índios e dos negros e negras e travestis e afins e da escravidão contemporânea e da família e dos métodos contraceptivos e das doenças venéreas e do câncer e da bomba nuclear e do drone e da fome e da tecnologia e da tradição e das contas a pagar e do frio e do calor e do feio e do belo e do bem e do mal e do que eu tive e do que eu tenho e do que eu deveria ter e do que eu terei um dia e da propriedade privada e provada e povoada e dos sonhos sem pé no chão e da arte e da fotografia sussurrando pro olhar, suave como sinos-do-vento: “veja, essa é a minha voz de quem pode falar em silêncio”. Imagem. Enigma. Inércia.

 

Neste trabalho o corpo, num ato de resistência à aceleração contemporânea, coloca-se despido na paisagem, mas como uma espécie de pausa ativa: movimenta a lógica da paisagem composta de elementos não-humanos, inserindo o aspecto humano de forma esteticamente sutil, mesclando-se entre elementos da composição visual, sempre em busca de uma trégua em um lugar convidativo, uma pausa ou um descanso inerte. Em “Inércia” o corpo é um convite poético ao desacelerar, à vontade de deixar-se afetar e afectar pela paisagem e pelo desejo de pausar-se sem agredir, contudo, o passar do tempo. É, portanto, poética da diferença entre aceleração e passagem do tempo. O corpo em inércia tonar-se lugar de acontecimento.

 

“A inércia é meu ato principal. Não saio de dentro de mim nem pra pescar” (MANOEL DE BARROS).

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